Transparência

A ONG ARTIGO 19, que defende o direito ao acesso à informação e à liberdade de expressão, firmou uma parceria com o Arquitetura da Gentrificação por ter recebido informações de que o processo de reurbanização da região central de São Paulo, em especial do Vale do Anhangabaú, contava com pouca transparência. Durante a parceria, a ONG formulou pedidos de informação a órgãos públicos via Lei de Acesso à Informação (LAI) e analisou as respostas à luz da lei federal.

ARTIGO 19 acredita que é fundamental que a prefeitura da maior cidade da América do Sul seja um exemplo de transparência e responsabilidade com as contas, já que São Paulo é também a capital mais rica do país, ou seja, com mais recursos para investir nessa área. Os projetos que acontecem no centro da cidade influenciam a vida de milhões de pessoas que vivem naquela região ou que passam por suas ruas diariamente.

Participar de um projeto de investigação jornalística que tem como objetivo desvendar os pontos opacos de projetos que irão interferir no coração da capital paulista é tarefa que se encaixa perfeitamente na missão institucional da ARTIGO 19, e serve ainda como um valioso estudo de caso sobre a importância do acesso à informação para aprimoramento da boa governança, participação e combate a irregularidades na gestão pública. Assim, a ARTIGO 19 propôs a apresentação e acompanhamento de pedidos de informação a órgãos públicos nos temas em que o AG enfrentava dificuldades para conseguir acesso a dados e informações.


Análises

Pedidos Iniciais

A primeira ação da ARTIGO 19 foi enviar quatro pedidos de informação para a Prefeitura de São Paulo. Dois deles procuravam avaliar a participação popular no projeto, enquanto os outros dois tratavam do projeto básico. A prefeitura respondeu a todos eles com exatamente o mesmo texto, que consistia apenas em uma contextualização do projeto “Centro, Diálogo Aberto”, falhando em responder às perguntas específicas de cada pedido. A ARTIGO 19 avaliou essas respostas como insatisfatórias e teve de recorrer múltiplas vezes até finalmente obter os dados necessários. Depois de finalizados os quatro primeiros pedidos, foram enviadas outras dez solicitações de informação: algumas delas pediam documentos, outras tratavam de participação popular e outras procuravam esclarecimentos sobre o projeto.

Abaixo, fazemos uma análise mais detalhada dos pedidos feitos pela ARTIGO 19 para o AG. No link PDF das solicitações, o leitor encontra também disponíveis as perguntas, respostas e recursos de todos os pedidos, e pode averiguar o tamanho da dificuldade que encontramos para receber respostas relativamente simples.

Detalhes sobre o Projeto – 9253, 9760

Esses pedidos procuravam mais informações sobre a elaboração do projeto. O pedido 9253 pedia a disponibilização do Projeto Básico, que havia sido mencionado no conjunto de documentos referentes ao termo de doação assinado por Itaú e prefeitura. O Projeto Básico contém o orçamento para implantação do plano para o Vale do Anhangabaú, mas até o momento não foi possível acessar esse documento. Inicialmente, a prefeitura respondeu à nossa demanda com um texto que fazia uma contextualização sobre o Projeto “Centro, Diálogo Aberto” e oferecia o seguinte site para consulta:

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/projetos_urbanos/index.php?p=167819. No entanto, o Projeto Básico não está disponível no link indicado.

A ARTIGO 19, então, recorreu, explicando que o site continha apenas o Projeto Conceitual e não o Projeto Básico. A Lei Federal 8.666/1993 define o Projeto Básico com um conjunto de elementos específicos que não constavam no site. Segundo a Prefeitura, “o termo 'Projeto Básico não foi empregado no conceito disposto na Lei Federal 8.666/93, em seu art. 6º, referindo-se apenas aos elementos contidos no projeto arquitetônico para reorganização dos espaços urbanos no Vale do Anhangabaú” e “a elaboração do projeto básico, em sua definição técnica e legal, está sendo licitada pela SP-Urbanismo”. Atualmente estamos esperando a resposta do terceiro recurso, por meio do qual pedimos que ao menos o orçamento para implantação seja disponibilizado. Entramos com um novo pedido (9760) solicitando a disponibilização do orçamento para implantação do projeto de requalificação do Vale do Anhangabaú, mas segundo a Prefeitura a “elaboração do orçamento só será possível após a conclusão do projeto básico”.

Conclusões da ARTIGO 19

Em nossa avaliação, o processo de pedidos de informações referentes à implementação de projetos na região central de São Paulo foi extremamente complicado. Muitos dos pedidos que fizemos se referiam a informações que deveriam ser disponibilizadas de maneira pró-ativa pelos órgãos públicos (independentemente de solicitação do público), como convênios e acordos. A demora em enviar respostas, bem como a necessidade de entrar com diversos recursos antes de obter respostas muito básicas (como listas de presença de eventos convocados para garantir a participação popular) demonstra, a nosso ver, não apenas desorganização, mas significativa falta de transparência em projetos levados a cabo pela maior prefeitura do Brasil, em uma das regiões mais movimentadas e valorizadas da cidade.

Nos colocamos no lugar da/o cidadã/o: se uma organização com anos de experiência em acesso à informação, que trabalha diariamente pela garantia desse direito humano, teve dificuldade em obter informações simples sobre um projeto de grande impacto para a cidade de São Paulo, imagine o que não passa a/o cidadã/o. É preciso que os órgãos públicos do município de São Paulo garantam maior acesso àqueles que precisam da informação sobre sua cidade, pois sem informação não é possível garantir a efetiva participação nas políticas locais.

É possível que o que tenha causado a dificuldade no acesso às informações básicas sobre acordos simples de parcerias público-privadas tenha sido desorganização ou descaso por parte das autoridades. No entanto, a opacidade observada em relação ao projeto pode também ter dado ensejo ao encobrimento de eventuais irregularidades ou flexibilizações na formalização de acordos e na concessão de autorização por parte do governo a empresas privadas na execução de obras/projetos em espaços públicos. Por essa razão, é essencial que se publique com urgência todos os documentos relevantes desse projeto, que os pedidos de informação sejam prontamente respondidos, e que as autoridades municipais demonstrem esforço no aprimoramento da transparência geral em relação ao caso.

É fundamental que os órgãos municipais saibam que a sociedade civil está acompanhando o caso e monitorando a gestão de bens e espaços públicos. É preciso que os processos, acordos e concessões de uso e execução de obras em espaços públicos sejam feitos com toda a transparência, seguindo as normas metodológicas e de conduta que garantam a boa execução dos projetos e a possibilidade de fiscalização, acesso e participação dos cidadãos nos processos decisórios. E, em especial, que a transparência sirva para garantir que os bens públicos sejam apropriados e utilizados por toda a população.


PDF das solicitações

Cada um dos documentos abaixo traz o histórico completo dos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação pela Artigo 19.


Denúncias

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